Em qualquer atividade ou situação, quando desejamos um projeto estrutural bem feito, precisamos criar condições para isso. Um elogio sincero é sempre benéfico. Nada é mais prejudicial do que exigir aquilo que o profissional não tem condições de fazer e, se o fizer, fará de má vontade: trabalhar num domingo, noite adentro, sem tempo para as refeições, etc.
Resultar em um serviço mal feito é quase uma certeza.
Quanto mais humilde o prestador de serviço, o não pagamento de parcelas antes do serviço concluído pode resultar em relaxamento e falta de dedicação.
Não obstante tratar-se de um serviço efetuado em nível mais elevado, o projeto estrutural está sujeito às mesmas fraquezas humanas. Analisando com demorada atenção as causas de serviços defeituosos de projeto, cheguei a algumas conclusões que podem servir de alerta para qualquer tipo de contratante.
Existem numerosos tipos de profissionais de projeto. Há os que trabalham por ideal, por amor à profissão, pela satisfação de ver uma obra sua executada sem falhas e com aparência agradável.
– Esta obra foi projeto nosso, recorde internacional de altura na data de sua conclusão, conforme citação em várias publicações técnicas!
– Este projeto nosso ganhou menção honrosa no Congresso Internacional de Estruturas em Madrid!
Tais frases podem constituir para tais profissionais uma declaração do melhor retorno de seu trabalho.
Outros profissionais podem abominar a lembrança de uma bela obra bem executada e elogiada, quando tal serviço resultou em grandes aborrecimentos, quer de prejuízos, quer de contrariedades junto a outros profissionais envolvidos.
Os reflexos do resultado final são muito diferentes, de profissional para profissional. No entanto, existe uma lei inabalável: Todos, sem exceção, esperam obter algum lucro do seu trabalho. Algumas vezes, o profissional vê-se constrangido a aceitar uma incumbência sabendo ser de lucro nulo, apenas para ocupar sua equipe parada. É mais caro pagar os ordenados sem retribuição positiva do que arcar com as consequências negativas de toda uma equipe ociosa. Os bons “negociadores” parecem intuir este fato nas entrelinhas de uma conversa…
O curioso é que muitos contratantes, talvez a maioria, não se apercebem das mais primárias consequências de uma contratação perniciosa. A análise dos acidentes ou defeitos graves mostra com clareza tais consequências que, infelizmente, os jornais não divulgam. Por isso, é muito mais proveitoso o estudo minucioso dos desastres do que das construções “que deram certo”. Tal estudo nos deu uma visão incomum dos chamados Venenos Letais que atacam indiscriminadamente os projetos durante sua confecção. Eis alguns deles:
1º veneno: contratação de um projeto com prazo político
Existe uma verdadeira “febre doentia” de, uma vez tomada a decisão, exigir o início do projeto antes de coletados os dados indispensáveis para a implantação da obra. A data da entrega do “projeto final para execução” é fixada antes mesmo de conhecer as dificuldades a serem vencidas: desapropriações com processos jurídicos intermináveis, interferências com serviços públicos que precisam ser deslocados, alterações no tráfego durante determinados períodos, dificuldade de importação de equipamentos. O serviço começa a ser feito, ignorando tais dificuldades, que serão resolvidas no tempo certo. O projeto estrutural foi feito às pressas para atender ao contrato, mesmo com conhecimento de que não iria dar certo.
Resultado da decisão impensada: refazer o projeto, com prazo ainda mais apertado. O contratante não vai querer pagar o novo projeto! Isto evidenciaria seu erro de contratação na fase imprópria. Tal projeto, na melhor das hipóteses, será feito com má vontade. O resultado será um mau projeto, pelo menos antieconômico, com grande excesso de materiais. Em certos casos, até o local da obra é alterado! Em minha vida profissional passei por diversas situações em que julguei mais conveniente desistir do serviço iniciado e aprovado do que enfrentar indecisões ou alterações descabidas (Metrô de São Paulo, Ferrovia do Aço…).
2º veneno: concorrência desleal
Alguns contratantes julgam-se excelentes negociadores, contratando projetos por preços extremamente baixos e se vangloriam disso com seus superiores. Simulam concorrências fictícias, mentindo: – Seu preço é um exagero. Tenho uma proposta com 40% a menos. Gostaria que você fizesse o projeto, mas diante de tal diferença, sou obrigado a contratar o outro.
Simula algo irreal, mas não diz quem é o outro “por questão de ética”. Procedendo assim, consegue no final contratar o projeto com menos da metade do valor razoável. Tal procedimento muda as leis de mercado. O argumento mais usado é que o computador faz tudo sozinho. Consegue assim defender não apenas pagar muito menos pelo serviço, como também encurtar os prazos.
O profissional, premido pelas necessidades, acaba aceitando. Fará o projeto com má vontade. Os desenhos plotados pelo computador são preparados com a máxima economia DE DESENHOS. Saem do computador e vão diretamente para o contratante, sem qualquer verificação. Existe no Brasil um caso real de desabamento parcial de edifício já habitado em consequência de ECONOMIA DE DESENHO. Nunca fica divulgado o fato, mas o contratante sente o resultado de sua desastrosa contratação. Tal empresário não se corrige: ficará repetindo com obsessão esse procedimento errado de contratação.
A grande vantagem do computador foi transferida para o cliente, sem qualquer proveito para o projetista… Devia existir uma maneira de explicar ao contratante que DESENHO não é projeto. Desenho que parece um projeto estrutural qualquer computador é capaz de fazer, qualquer desenhista capaz tem condições de executar. PROJETO é muito mais do que isso: é necessário que haja uma mente capaz de ver o que não está desenhado, pressentindo os riscos que podem ocorrer se não forem tomadas certas precauções…
3º veneno: ceder diante das exigências dos arquitetos
Existem arquitetos de grande criatividade e com intuição estrutural excelente. Eles podem até mesmo pensar numa estrutura para suportar o que imagina e até pré-estabelecer medidas razoáveis. Mas também existe o contrário mesmo diante de argumentos como: – As normas estruturais não permitem tais dimensões!
Tais arquitetos ficam indignados, como já tive ocasião de presenciar, respondendo imediatamente: – Se você não é capaz de projetar isso, vou dar o projeto para xyz que tem capacidade para resolver esse problema a contento.
Esses arquitetos, sem perceber o absurdo do que afirmam, não têm condições para discernir um bom de um mau projeto estrutural. Mesmo diante de desabamentos em suas concepções, atribuem o fato a erros de construção.
Quando o arquiteto tem consciência de que o trabalho conjunto com o projetista estrutural só pode ser benéfico, resulta algo satisfatório sem infração a normas e sem possibilidade de funcionamento diferente do imaginado. Cada um desempenha o seu papel com boa vontade e com respeito mútuo. Já tive oportunidade de trabalhar com arquitetos excelentes que davam soluções maravilhosas antes que eu sugerisse algo melhor.
Há situações em que o projetista sucumbe diante da argumentação do arquiteto. Para não perder o serviço, prefere contrariar as normas estruturais e arriscar seu prestígio. Em certas situações de que tomei conhecimento, excelentes engenheiros na construção de Brasília deram soluções extraordinárias à obra, impedindo sua destruição. Criaram processos alternativos de funcionamento estrutural, diferente do concebido no projeto inicial. Sua solução nunca se tornou conhecida para não “desagradar o arquiteto”. Se tal procedimento não tivesse sido adotado, teria havido destruição parcial da obra defeituosa, pelo menos após alguns meses …
4º veneno: convivência com o perigo
Existem projetistas audaciosos. Quanto mais prática possuem, mais arrojados vão ficando. Se desobedecer às normas resultar em economia e com isso mais chance de obter um contrato, tais projetistas não vacilam em criticar o projeto de um colega. Vamos trabalhar com carregamentos menores, pois os coeficientes de segurança cobrem a diferença … Os cobrimentos da normas são exagerados e levam a maiores consumos de concreto. Já usei cobrimentos menores na orla marítima, dizem eles, e o concreto nada sofreu! A carga de vento é muito onerosa para a estrutura pois não se considera a capacidade resistente das alvenarias. O cálculo de flechas com a estrutura fissurada não corresponde à realidade: a estrutura não fissura para as cargas de uso, muito menores do que a carga de cálculo. O contratante engole essas explicações, dadas por um profissional com vivência de obras e certo grau de persuasão. Os profissionais sérios, respeitadores das normas e os que já tiveram problemas anteriores com tais procedimentos, ficam alijados das competições …
Já tive ocasião de analisar projetos que convidam a um fracasso. Em alguns casos, o fracasso não ocorreu porque a estrutura foi muito bem executada, melhor do que se prescrevia no projeto. Em outros, o defeito apareceu apenas nas alvenarias e a culpa foi lançada à qualidade do rejuntamento …
Há projetistas sem medo de consequências funestas, preservados de maneira inacreditável, na maioria das vezes, pelo fato de as cargas de projeto nunca terem sido alcançadas.
5º veneno: Acreditar na proteção divina
Muitos contratantes acham que o concreto aceita qualquer desaforo, que Deus é brasileiro, que existe Papai Noel … Inconscientes do perigo, acham que podem contratar qualquer projetista, mesmo algum inexperiente, pois quem faz tudo é o computador. Aquele projetista trabalha sozinho em casa, com seu computador e plotter. Ele mesmo dedilha os dados e a máquina desenha o que o computador processou. Mesmo cobrando preços baixos ele ainda ganha dinheiro pois não tem as despesas normais decorrentes de um escritório legalizado. Ele nem faz declaração de Imposto de Renda! Ele dá o desconto da parte do Leão!
Assim convencido, ele nem avalia o perigo que está correndo até o dia em que surge o primeiro defeito!
Qual o procedimento para que o contratante perceba tudo isso? Esta publicação não o alcança. Só lê quem não precisa, pois já sabe de tudo isso. Mas ele pode levar uma cópia e forçar seu cliente a ler, se não passar de 4 páginas …
Por Dr. Eng. Augusto Carlos de Vasconcelos – Artigo de Edição Nº. 23 – Julho/2006 da Revista TQS NEWS