1) O que é a ART e por que ela é indispensável no projeto estrutural
- A ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) é o documento que vincula formalmente um serviço/obra de engenharia ao profissional habilitado (ou empresa com responsável técnico).
- É obrigatória para qualquer serviço técnico de engenharia, incluindo projeto estrutural, laudo, consultoria, gerenciamento e execução.
– Protege o cliente e o engenheiro:
– Para o cliente: identifica quem é o responsável técnico, viabiliza exigências de prefeituras, seguradoras e financiadores e dá rastreabilidade.
- Para o engenheiro: constitui acervo técnico (CAT), comprova experiência, delimita escopo e responsabilidades, e é requisito para defesa em eventuais litígios.
Base legal e normativa principal:
– Lei nº 6.496/1977 — institui a ART.
- Resolução CONFEA nº 1.025/2009 — disciplina o registro da ART e a CAT.
Observação: há resoluções e normas complementares nos CREAs regionais; sempre confira o regramento local.
2) Quando emitir e tipos de ART aplicáveis ao projeto estrutural
Em projeto estrutural, você pode ter diferentes ARTs dependendo do escopo:
– Projeto estrutural (concreto, aço, madeira, alvenaria estrutural, pré-moldado etc.)
- Projeto de fundações
- Projeto de reforço estrutural
- Consultoria técnica (parecer técnico, compatibilização, verificação independente)
- Laudos, perícias e inspeções diagnósticas estruturais
- Acompanhamento técnico de obra (sem assumir execução)
- Execução (quando você ou sua empresa executa serviços de reforço, escoramento, concretagem, provas de carga, etc.)
Tipos de ART mais comuns:
– ART de obra/serviço (a padrão, por contrato/escopo definido)
- ART complementar (para detalhamento adicional ou aditivos de escopo)
- ART de substituição (corrige informações relevantes da ART original)
- ART múltipla (para serviços seriados e semelhantes, usualmente mensal; muito usada em manutenção/consultoria continuada)
- ART de coautoria/corresponsabilidade (quando há mais de um responsável técnico)
3) Escopo técnico mínimo de um projeto estrutural bem definido
Para um projeto estrutural profissional, descreva e entregue claramente:
Metodologia e referenciais
– Normas ABNT aplicáveis:
– NBR 6118 (concreto armado), NBR 8800 (estruturas de aço), NBR 7190 (madeira)
- NBR 6120 (cargas), NBR 8681 (combinações e segurança), NBR 6123 (vento), NBR 6122 (fundações)
- NBR 9062 (pré-moldado), NBR 15575 (desempenho), além das específicas do sistema adotado
- Critérios de projeto: estados limites (ELU/ELS), durabilidade, fissuração, vibrações, estabilidade global (γz), efeitos de 2ª ordem (P-Δ/P-δ), deslocamentos, punção, ligações, detalhamento.
Entradas essenciais
- Programa de necessidades, uso e vida útil (ex.: 50 anos)
- Arquitetura e arranjos funcionais (plantas DWG/IFC e níveis)
- Sondagens e parâmetros geotécnicos
- Premissas de materiais (fck, aço CA-50/60, galvanização/pintura, classe de agressividade ambiental)
- Ações variáveis específicas (equipamentos, reservatórios, sobrecargas especiais, sismo se aplicável)
Entregáveis
- Memória de cálculo (com premissas, combinações, resultados de dimensionamento)
- Pranchas de formas e armaduras ou detalhamento de aço/madeira
- Modelos analíticos (quando aplicável) e relatório de estabilidade global
- Lista de materiais (BOQ/quantitativos)
- Memorial descritivo e especificações
- Roteiro de inspeção e recomendações de execução/controle (boas práticas)
- Arquivos fonte (quando contratado) e revisões controladas
Compatibilização
- Interface com arquitetura, instalações, fundações, drenagem, impermeabilização e fogo (proteção passiva no aço, cobrimentos no concreto).
4) Fluxo de trabalho sugerido
- Briefing e contrato (escopo, prazos, responsabilidades, honorários).
- Levantamentos e dados de entrada (topografia, sondagem, arquitetura, cargas especiais).
- Pré-dimensionamento e alternativas (comparar soluções técnica/econômica).
- Modelagem e análises (ELU/ELS, estabilidade global, vibrações).
- Detalhamento e memória de cálculo.
- Compatibilização interdisciplinar.
- Revisão interna/externa (verificação independente, se aplicável).
- Emissão final do projeto.
- Emissão da ART correspondente ao projeto elaborado.
- Entrega formal ao cliente (com protocolo) e arquivamento.
- Se houver obra: acompanhamento/consultoria e ART específica disso.
5) Como preencher a ART para projeto estrutural
– Acesso ao sistema do CREA (cadastro e situação regular do profissional e/ou da empresa).
- Selecionar tipo de ART: Obra/Serviço.
- Dados do contratante (PF/PJ).
- Endereço da obra/serviço, município e UF.
- Atividade técnica: selecione opções alinhadas ao escopo (ex.: elaboração de projeto de estruturas de concreto).
- Descrição detalhada do serviço: campo livre — use um texto claro e delimitado (veja modelos abaixo).
- Fase/etapa: “Projeto” (e eventualmente “consultoria”, “compatibilização”, “verificação independente”).
- Dados técnicos: área construída/área atendida, número de pavimentos, sistema estrutural, normas.
- Valor do contrato, prazo de execução, vínculo com empresa (se for responsável técnico da PJ).
- Anexos (alguns CREAs permitem anexar peças ou contrato para facilitar CAT posterior).
- Conferir, gerar boleto e pagar. A ART somente se considera registrada após confirmada.
> Recomendações práticas:
> – Não deixe campos vagos ou genéricos demais.
- Delimite exclusões (ex.: “Não inclui acompanhamento de obra, execução de reforços, RRT de terceiros, sondagem, cálculo de escoramentos temporários…”).
- Se houver coautores ou corresponsáveis, inclua as ARTs correlatas.
- Use ART complementar para aditivos e mudanças de escopo.
6) ART x Contrato x Acervo (CAT)
- Contrato: deve refletir o escopo que você descreve na ART. Quanto maior a aderência, mais robusta será sua proteção e seu acervo.
- ART: formaliza o vínculo da atividade com você/empresa e delimita responsabilidades.
- CAT (Certidão de Acervo Técnico): documento que comprova que você executou aquele serviço; depende de ARTs anotadas e, em geral, de atestados da contratante confirmando a execução.
- Guarde: contrato assinado, ART, comprovante de pagamento, e documentos de entrega (protocolo, e-mails, atestados). Isso simplifica a emissão de CAT e sua comprovação em licitações.
7) Responsabilidades, riscos e mitigação
- Responsabilidade técnica: civil, administrativa e, em situações específicas, penal.
– Riscos comuns:
– Falhas de premissas (ex.: ausência de sondagem adequada).
- Mudanças de uso/carga não comunicadas.
- Execução em desacordo com o projeto.
– Mitigações:
– Deixar premissas explícitas na memória de cálculo e na ART.
- Contrato com cláusulas de escopo, limitações e necessidade de aprovação formal para alterações.
- Checklists de compatibilização e revisão por pares.
- Seguro de responsabilidade civil profissional (considerar).
- Em obra, recomendar inspeções de recebimento de armaduras e concretagem conforme o projeto.
8) Integração com aprovações, BIM e órgãos públicos
- Prefeituras e órgãos financiadores frequentemente exigem a ART do projeto estrutural junto com as pranchas e memoriais para aprovação.
- Em fluxos BIM: você pode exportar relatórios (IFC/BCF) e usar o modelo para extrair quantitativos; a ART continua sendo documental e vinculada ao serviço, não ao arquivo em si.
- Concessionárias e seguradoras: podem exigir ART e CAT como parte de análises de risco e aceitação de obras.
9) Casos práticos
Caso A — Edifício residencial (8 pavimentos, concreto armado)
- ART 1: Projeto estrutural do superestrutura.
- ART 2: Projeto de fundações (se contratado separadamente ou com profissional geotécnico parceiro).
- ART 3: Compatibilização estrutural interdisciplinar (opcional, se contratado).
- Dicas: evidencie na ART a área atendida, número de pavimentos, normas, limitações (sem acompanhamento de obra).
Caso B — Reforço de viga com fibra de carbono
- ART: Projeto de reforço.
- Se você também acompanhar ou executar, emita ART específica para acompanhamento/execução.
- Inclua na descrição critérios de preparação de substrato, controle de aderência, inspeções e aceitação.
Caso C — Laudo de patologia estrutural
- ART: Laudo técnico/inspeção.
- Se vier um projeto de intervenção posteriormente, gere ART específica para o projeto de reforço/recuperação.
10) Boas práticas de qualidade e produtividade
- Estruture um “Plano de Projeto” padrão (premissas, critérios, entregáveis, revisões, prazos).
- Use revisão por pares em projetos complexos ou inovadores.
- Mantenha templates de memória de cálculo e pranchas com checklists automatizados.
- Versione arquivos e mantenha trilha de auditoria (registro de alterações).
- Faça uma “lição aprendida” ao encerrar cada projeto para incorporar melhorias.